NOMES DE ZEUS: ATUM
Atum, uma das divindades mais antigas e significativas da mitologia egípcia, está no centro da cosmogonia heliopolitana como o progenitor auto-criado dos Deuses e do universo. Reverenciado como o “Senhor da Totalidade” e o “Completo”, Atum personifica os conceitos de criação, completude e renovação cíclica.
Menos oculto do que Amon, mas fundamentalmente enigmático, o simbolismo de Atum permeia os textos religiosos egípcios, a iconografia e os rituais dos templos, reflectindo o seu duplo papel como princípio e fim da existência. Os papéis mitológicos de Atum, as suas associações simbólicas e o seu legado duradouro na teologia egípcia são variados, estando presentes em fontes fundamentais como os Textos das Pirâmides, os Textos Sepulcrais, e o Livro dos Mortos, bem como em análises académicas de egiptólogos.
MITO HELIOPOLITANO DA CRIAÇÃO
A proeminência de Atum tem origem na cosmogonia de Heliópolis (Iunu), um dos mais antigos centros religiosos do Egipto. De acordo com a tradição heliopolitana, Atum emergiu das águas primordiais de Nun, o abismo caótico que existia antes da criação. Os Textos das Pirâmides (c. 2400-2300 a.C.), inscritos nas pirâmides dos faraós da Quinta e Sexta Dinastias, descrevem a autogénese de Atum:
Declaração 527, Texto da Pirâmide 600
Atum-Khepri, tornaste-te alto no céu; ergueste-te como a pedra Benben na Mansão da Fénix em Heliópolis. Cuspiste Shu; expectoraste Tefnut. Puseste os teus braços à volta deles, como os braços de um Ka, para que o teu Ka pudesse estar neles.
Atum era um Deus criador primordial na antiga religião egípcia, central no mito da criação heliopolitana. No princípio — o Tsep Tepi, ou “primeira ocasião” — só existiam as águas escuras e sem forma de Nun. A partir deste caos primordial, Atum auto-gerou-se e emergiu, sendo frequentemente retratado como surgindo no Benben (um monte primordial em forma de pirâmide, semelhante a um Chakra) que se ergueu de Nun.
De forma única, Atum era considerado “o auto-criado”, contendo o potencial de toda a vida. Ele produziu o primeiro par divino, Shu (ar) e Tefnut (humidade), a partir de si próprio — o nome de Atum deriva da raiz tm, que significa “completar” ou “terminar”. Esta etimologia sublinha o seu papel como o Deus que contém em si todas as potencialidades. Os Textos Sepulcrais (c. 2100-1800 a.C.) enfatizam a sua completude:
76, Texto Sepulcral
Eu sou Atum, o criador dos Deuses Mais Antigos. Eu sou aquele que deu à luz Shu; Eu sou aquele grande Ele-Ela. Eu sou aquele que fez o que lhe pareceu bom, que tomou posse das Duas Terras de Nun, que deu ordens às Enéadas.
A androginia de Atum (referido como o “grande Ele-Ela”) realça a sua autossuficiência, permitindo-lhe gerar vida sem uma consorte, mas também as distintas polaridades magnéticas e eléctricas do universo.
Havia também um aspeto de Atum que era ctónico e relacionado com a morte. Os faraós prestavam homenagem a Atum nos seus textos mortuários, aspirando a unir-se a Atum na vida após a morte. A ideia era que, após a morte, a alma do rei viajaria para os céus e fundir-se-ia com Atum no sol poente.
Nas Declarações do Texto da Pirâmide, o rei falecido diz: “Sou teu filho; vim até ti, Atum”, procurando sentar-se no trono de Atum no céu. Isto reflecte a forma como Atum simbolizava a soberania absoluta, tanto divina como real. De facto, um estudioso observa que a mitologia egípcia da criação forneceu uma escritura teológica para a realeza, e Atum, como criador, era central para essa escritura.
SIMBOLISMO DE ATUM
Artisticamente, Atum era geralmente representado na forma humana como um homem que usava a pschent (coroa dupla) do Alto e Baixo Egipto, o que também indicava o seu controlo sobre os dois reinos da existência. Os dois lados da ordem e do caos estão representados na coroa, mostrando o seu simbolismo máximo como Senhor de Ma’at.
Traz frequentemente consigo um cetro de was (que representa o poder) e um ankh (que representa a vida), sublinhando a sua autoridade sobre a criação e a sua capacidade de dar vida. Uma das poucas distinções na arte entre Atum e um faraó é que Atum pode ser mostrado com uma barba divina (curvada na ponta) em vez da barba reta dos reis, relacionada com a Sequência de Fibonacci.
É frequentemente representado entronizado, como convém a um criador-rei dos Deuses. Em certos contextos, Atum tinha uma iconografia especializada: no submundo, podia ser representado como um homem idoso apoiado num bastão (mostrando a fraqueza do sol no final do dia) ou mesmo com uma cabeça de carneiro, uma forma que assume no Duat como protetor, associando-o a Amon.
A associação de Atum com o sol também significava que ele era representado como um escaravelho em alguns ciclos solares — o escaravelho (Khepri) simbolizava o renascimento do sol da manhã, e Atum como escaravelho sublinhava o seu papel na regeneração contínua do sol. Aos olhos dos egípcios, todas estas imagens variadas exprimiam os atributos de Atum: o poder criativo, a realeza sobre a criação e a garantia de renovação.
A emergência de Atum de Nun no topo do monte primordial é simbolizada pela pedra Benben, um objeto piramidal ou cónico que se tornou o protótipo dos obeliscos e piramidões e que também representa os Chakras. O Benben representava a primeira terra sólida e o núcleo da criação. Na arquitetura dos templos, o santuário mais interior (o Naos) que abrigava a estátua de culto era visto como um microcosmo deste monte, ligando o ato criativo de Atum aos rituais diários.
Ocasionalmente, Atum era representado como um leão ou um ichneumon, uma forma egípcia estilizada de um mangusto. O ichneumon, uma criatura que mata cobras, reforçava o seu papel de protetor contra o caos. O leão, por outro lado, simbolizava o poder solar e a realeza, ligando Atum à autoridade divina do faraó.
Na sua forma nocturna, Atum era representado como uma serpente — um símbolo de regeneração e do submundo. O Livro dos Mortos (Feitiço 175) descreve o ato final de dissolução de Atum:
Feitiço 175, Livro dos Mortos
Destruirei tudo o que fiz; esta terra voltará a Nun, ao dilúvio, como no seu estado original. Mas eu permanecerei com Osíris; transformar-me-ei em outra serpente que os homens não conhecem e os Deuses não vêem.
Esta forma serpentina sublinha o papel de Atum como criador e destruidor, personificando a natureza cíclica do tempo.
O ato de criação orientado para si próprio de Atum, muitas vezes eufemizado como “usar a mão”, simboliza a criatividade autónoma. A mão tornou-se um hieróglifo para ação e poder. No Papiro de Bremner-Rhind (século IV a.C.), Atum declara:
Copulei com o meu punho; juntei a minha mão à minha boca; entrei na minha própria boca. Espirrei Shu; cuspi Tefnut.
Esta imagem paradoxal — estéril porém fértil — reflecte o entendimento egípcio da criação como um ato de vontade divina que transcende as meras normas biológicas.
Para além disso, Atum tinha um rico simbolismo animal que transmitia os seus poderes. Os seus animais sagrados incluíam a serpente Kundalini, o leão — símbolo de todas as prerrogativas reais e solares —, o touro, representando o controlo da mente, a virilidade e a realeza solar (tal como o touro negro Mnevis de Heliópolis, que era sagrado para Atum), o lagarto, e o ichneumon ou mangusto, conhecido por lutar contra cobras. As imagens contraditórias dos seus animais demonstram a sua ligação à criação, destruição e renascimento.
Cada criatura reflectia um aspeto de Atum: por exemplo, como leão, Atum era um protetor feroz; como serpente, era a misteriosa personificação da eternidade; como touro, era um procriador e rei. Até como um babuíno, assumiu o papel de defensor, disparando contra os agentes do caos.
Um exemplo notável é o símbolo da Fénix. Dizia-se que o pássaro egípcio Benu, ligado a Atum e relacionado com a Pedra, se erguia das águas de Nun e pousava na pedra Benben, gritando para inaugurar a criação. Mais tarde, este simbolismo foi copiosamente roubado pelos cristãos e vários degenerados no Egipto.
Estes símbolos variados reforçaram a imagem de Atum como uma divindade que estava presente em todas as formas de vida, animal e humana, mas que, em última análise, as transcendia como o mestre singular da criação. O simbolismo de Atum operava assim a nível cósmico, político e pessoal, tornando-o um dos Deuses mais simbólicos do panteão egípcio.
TEMPLOS DE ATUM
O culto de Atum estava firmemente estabelecido em Iunu. Era venerado como divindade solar e como pai primordial do faraó. Os governantes desta época incorporavam frequentemente Atum nos seus epítetos reais e nos rituais das pirâmides. Por exemplo, o faraó Unas (5ª Dinastia) tem textos que dizem que ele subirá ao céu e se sentará no trono de Atum, enfatizando a proximidade com o Deus.
Faraós do Império Médio, como Senusret I e Amenemhat III, remodelaram os templos de Heliópolis e acrescentaram obeliscos que celebravam Atum. Foi dada uma ênfase crescente ao papel de Atum na assistência à batalha de Rá contra a serpente Apep e na derrota de Atum contra a serpente Sepa, que é mostrada de forma elaborada no Livro dos Portões. Outras imagens encontradas em túmulos desse período mostram Atum apresentado ao lado dessas serpentes.
Embora Heliópolis continuasse a ser o principal centro de culto de Atum, a sua adoração espalhou-se por Tebas e pelo Delta. Os templos apresentavam estátuas de Atum como um homem usando a Coroa Dupla, simbolizando o seu domínio sobre o Alto e o Baixo Egipto. Nos relevos, segura frequentemente o cetro de was e o ankh.
Alguns templos ptolemaicos do Alto Egipto também honravam Atum; por exemplo, em Dendera, um complexo de templos da era greco-romana, Atum é incluído em cenas cosmológicas e hinos ao lado de outras divindades criadoras.
UNIÃO DE ATUM E AMON
No Reino Novo, existiam cultos atribuídos a Atum, como o das Sumas Sacerdotisas reais tebanas, conhecidas como Adoratrizes Divinas de Amon, que actuavam como a Mão de Atum nos rituais do templo. Isto mostra que existia uma relação simbiótica entre os dois Deuses, envolta em simbolismo.
No período romano, Atum foi por vezes fundido na figura de Zeus Ammonas ou Júpiter na interpretatio graeca-romana, ou em formas de Zeus-Helios (Zeus do Sol) durante as visitas imperiais romanas a Heliópolis. Era frequentemente representado com chifres de carneiro.
Vemos, por exemplo, nalgumas moedas e inscrições romanas, Júpiter-Helios-Atum reunidos como uma única divindade. O imperador Augusto, ao dedicar uma estela, invocou “Júpiter que se eleva do céu oriental”, referindo-se a Atum-Ra.
Havia também uma interpretação filosófica. Plutarco, em
Sobre Ísis e Osíris, menciona um conceito de uma divindade suprema egípcia que permanece depois de tudo o resto ser destruído, provavelmente aludindo ao papel de Atum no fim dos tempos. Este facto ajudou os pensadores helenísticos a enquadrar Atum como um símbolo de um princípio primordial duradouro, semelhante à sua ideia de Logos ou Deus primordial.
FARAÓ, FILHO DE ATUM
Horemheb suplicando a Atum
Os faraós reivindicavam a descendência de Atum para legitimar o seu governo. Os Textos das Pirâmides (Utterance 600) afirmam:
Declaração 600
O rei é o filho de Atum, que o ama, que o deu à luz, para que ele possa estar no trono de Atum para sempre.
Ao associarem-se ao poder criativo de Atum, os faraós posicionavam-se como defensores de Ma’at (ordem cósmica). Muitos faraós usavam o epíteto “Filho de Atum” como parte do seu titulário, mesmo muito depois de o poder político se ter deslocado de Heliópolis para Tebas.
Como o primeiro Deus-rei (aquele que governou antes de a terra ter faraós), Atum era visto como o protótipo divino de quem os faraós terrenos herdavam a autoridade. Os faraós alinhavam-se explicitamente com Atum. O título “Filho de Atum” era usado pelos reis para sublinhar que eram descendentes do criador original.
FESTIVAIS DO CRIADOR
Os festivais de Atum, como a “Festa da Enéade”, envolviam procissões e oferendas de pão, cerveja e incenso. O Templo de Atum, em Heliópolis, abrigava uma árvore sagrada (a ished), onde se acreditava que residia a presença do Deus.
Em Tebas, o Festival de Opet e outros rituais estatais invocavam ocasionalmente Atum juntamente com Amun. Um papiro do final do Reino Novo sugere que Atum desempenhava um papel central no festival de Ano Novo: à medida que o ano se regenerava, o papel do rei era renovado pelas bênçãos de Atum.
CONTEXTO DO INIMIGO
Muitos dos atributos de Atum e Amon, juntamente com os mistérios avançados de Zeus de fontes gregas, foram roubados pelo cristianismo, particularmente a ideia de alfa e ómega e o logos. O lunático chamado Orígenes reivindicou o conhecimento do mito da fénix e descaradamente forçou-o a entrar no mito de “Cristo”. Outros aspectos chegaram à literatura gnóstica, como os chamados “Autogenes”.
BIBLIOGRAFIA
Livro dos Mortos capítulos 15, 17, 175, Textos das Pirâmides Egípcias e Textos Sepulcrais
Ancient Gods Speak, Donald B. Redford
On Isis and Osiris, Plutarch
The Phoenix and the Early Church, Daniel Tompsett, Foundations
Handbook of Egyptian Mythology, Pinch
The Complete Gods and Goddesses of Ancient Egypt, Richard H. Wilkinson
Ancient Egyptian Creation Myths: From Watery Chaos to Cosmic Egg, Glencairn Museum
CRÉDITOS:
Karnonnos [Guardião Templar]